O Elogio Depreciativo

Tire já estas mãos imundas de mim. Não ouse brandir sua língua peçonhenta, âmago da malevolência sem escrúpulos. Aqui não encontrará pábulo algum para teus juízos ultracrepidários. Não sei se sinto pena ou escarneço cada polegada de teu ser. De certo não és digno de compaixão, ou será? É justo ter piedade daquele que cospe na mão que o afaga? Infrutífera será sua tentativa de me extenuar, pois não sou como tu que presta um amplexo à razão com uma mão e segura um punhal com a outra. Não é mister vingar-me de ti, vindita é para quem cuja esperança desvaneceu, contento-me em saber que definhará lentamente em teu leito de ouro, resguardado no teu manto de seda, tingido com o suor da ignorância dos miseráveis. Estes, prisioneiros desassisados, chamam-te de salvador, e vós vos agrilhoastes algemas. Algemas dos valores falsos, dos princípios ilusórios. Quem os salvará de seu salvador? Um dia um verme perfurará tua inatingível mortalha, e serás terra, não mais que terra, apenas terra. Eu já o derrotei, mas quantas vezes preciso vencer tua sombra? Vai-te, que enquanto esse sol não chega, que vossa riqueza não se esgote, para que exprima tua maldade. Há esperança em excesso, pouca disponível, e na bruma que nos encontramos, procurá-la é correr em uma umbrosa floresta de cardos. Eu corro neste dédalo, e seus cardos afligem-me, mas eles são reais, e eu me reconcilio por não ter o que gostaria de ter, mas por ter a verdade. Teu veneno pode obscurecer a verdade, mas não há pensamento mágico capaz de desfazê-la. Haverá um dia, um dia em que os homens romperão teus grilhões e amaldiçoarão tuas palavras, e preferirão a verdade a uma verdade inventada.